segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Ciclo de Glauber Rocha na Cinemateca



(Retirado ipsis verbis da programação da Cinemateca, pelo que o facto de estar escrito respeitando o famigerado acordo ortográfico, ou ter coisas como "o personagem" - que eu nunca emprego no masculino - não são da minha responsabilidade)

GLAUBER ROCHA
EM COLABORAÇÃO COM GUIMARÃES 2012 CAPITAL EUROPEIA DA CULTURA
E CINEMATECA BRASILEIRA (SÃO PAULO)
Quando Glauber Rocha morreu, aos 42 anos, em 1981, Serge Daney escreveu no Libération: “De todos os grandes perturbadores do cinema moderno, ele era sem dúvida aquele que estava mais longe de nós”. De facto, ao morrer, o cineasta brasileiro estava muito isolado e parecia pertencer ao passado. E, no entanto, Glauber Rocha fora uma das mais fulgurantes figuras dos novos cinemas dos anos sessenta, a personalidade mais conhecida do Cinema Novo brasileiro, que deu que falar junto à crítica internacional. A sua carreira começou verdadeiramente com o segundo filme, DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL que causou sensação no Festival de Cannes em 1964. Três anos depois, TERRA EM TRANSE, bastante diferente, causaria uma imensa polémica no Brasil, que ultrapassou as fronteiras do cinema e marcou o apogeu do prestígio do realizador. Mas O DRAGÃO DA MALDADE E O SANTO GUERREIRO, mais conhecido como ANTONIO DAS MORTES, foi atacado pelos cineastas brasileiros undergound, que o consideraram académico e decorativo. Depois da apresentação deste filme no Festival de Cannes em 1969, onde recebeu o prémio de melhor realização ex aequo, diante de um júri presidido por Luchino Visconti, Glauber Rocha preferiu exilar-se, devido à violenta repressão política que se abatera sobre o Brasil em fins do ano anterior. Ficaria sete anos num exílio que o levou a França, Itália e Cuba. E neste período, o seu cinema mudou radicalmente, tornando-se cada vez mais alegórico: DER LEONE HAVE SEPT CABEZAS, CABEZAS CORTADAS, CLARO. Ao regressar ao Brasil em 1976, é recebido com efusão e realiza uma brilhante curta-metragem, DI CAVALCANTI. Mas em breve torna-se uma figura altamente polémica e contestada, tornando-se objeto de uma certa rejeição. Realiza uma ambiciosa longa-metragem, A IDADE DA TERRA, apresentada no Festival de Veneza, onde foi pessimamente recebida. Decide então permanecer na Europa, primeiro em Paris e depois em Sintra, onde trabalhou num argumento sobre Os Maias. Patrick Bauchau realizou então um documentário sobre ele, significativamente intitulado SINTRA IS A BEAUTIFUL PLACE TO DIE. Em agosto de 1981, Glauber Rocha regressaria ao Rio de Janeiro em estado de coma e morreria no dia seguinte. Há trinta e um anos, Serge Daney concluía o seu artigo necrológico da seguinte maneira: “Ele desnorteou, inventou, chocou, dececionou. Nada cedeu do seu desejo. Com obstinação, nunca deixou de fazer uma pergunta, que temo se tenha tornado obsoleta: o que seria um cinema que não devesse nada aos Estados Unidos? Talvez seja perguntar demais. Mas quem responderá?”. A sua obra veemente continua cercada por um misto de veneração (é praticamente proibido criticá-lo no Brasil) e incompreensão. Este Ciclo talvez contribua
para indicar se Glauber Rocha está mais ou menos “longe de nós” do que em 1981.

TERRA EM TRANSE
de Glauber Rocha
com Jardel Filho, Paulo Autran, José Lewgoy, Glauce Rocha
Brasil, 1967 – 105 min
Sex. [7] 21:30 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Seg. [10] 22:00 | Luís de Pina
“Filme admirável, negro poema, TERRA EM TRANSE mostra como se fazem e se desfazem, no ‘terceiro mundo europeu’, as ditaduras tropicais”, escreveu à época Marguerite Duras. Longe do sertão e dos cangaceiros, inteiramente situada no Rio de Janeiro, a terceira longa-metragem de Glauber Rocha é sem dúvida o mais “cinematográfico” dos seus filmes. O protagonista é um jornalista que oscila entre um potencial tirano de esquerda e um potencial tirano de direita. Começando pela agonia do protagonista, o filme desenrola-se num longo flashback, numa montagem fragmentada, mas absolutamente coerente. 

BARRAVENTO
de Glauber Rocha
com Antonio Pitanga, Luiza Maranhão, Lucy de Carvalho
Brasil, 1961 – 77 min
Seg. [10] 19:00 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Ter. [11] 19:30 | Luís de Pina
Inicialmente Glauber Rocha deveria ter sido assistente de realização deste filme. Mas, como disse a sua mãe numa entrevista, “arrebatou” o filme ao realizador Luiz Paulino dos Santos ao cabo de alguns dias de rodagem e realizou-o sozinho, fazendo alterações no argumento. De todos os seus filmes, é o único que tem uma narrativa tradicional. A ação passa-se numa comunidade de pescadores negros na Baía, que tem de alugar a um preço muito alto um instrumento de trabalho essencial, as redes de pesca. Nasce um conflito que opõe dois pescadores: um está disposto a um compromisso, encorajado por um sacerdote de ritos afro-brasileiros; o outro, que vivera numa cidade, atiça o conflito.


DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL
de Glauber Rocha
com Othon Bastos, Leonardo Villar, Yoná Magalhães, Maurício
do Valle, Lídio Silva
Brasil, 1964 – 110 min
Ter. [11] 21:30 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Qui. [12] 19:30 | Luís de Pina
O filme que tornou Glauber Rocha internacionalmente célebre aos 26 anos e marcou a irrupção do Cinema Novo brasileiro no panorama internacional, ao lado de VIDAS SECAS e OS FUZIS, de Nelson Pereira dos Santos e Ruy Guerra, respetivamente. Em DEUS E O DIABO… Glauber conjuga mitos e realidades, através da história de um miserável casal de camponeses, entre o messianismo religioso e a revolta armada desordenada. O filme é percorrido por lembranças do cinema soviético e utiliza diversas canções como  comentário à ação. Uma obra operática e trágica.

CÂNCER
de Glauber Rocha
com Odete Lara, Hugo Carvana, Antonio Pitanga, Hélio Oiticica
Brasil, Cuba, 1968-72 – 86 min
Qua. [12] 21:30 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Qui. [13] 22:00 | Luís de Pina
Rodado em 1968 no Rio de Janeiro, este fi lme só foi montado quatro anos mais tarde, em Havana. Foi em grande parte improvisado e uma das suas razões de ser foi a vontade do realizador de praticar o som direto, que nunca utilizara, em vistas da rodagem já anunciada de ANTONIO DAS MORTES. Sem narrativa linear, composto por cenas esparsas e monólogos brilhantes e sarcásticos, CÂNCER é, como TERRA EM TRANSE, um filme urbano e cosmopolita. Assinala uma inegável aproximação de Glauber Rocha ao cinema underground brasileiro, de Julio Bressane e Rogério Sganzerla, dos quais ele em breve se tornaria inimigo mortal.

O DRAGÃO DA MALDADE CONTRA O SANTO GUERREIRO / ANTONIO DAS MORTES
de Glauber Rocha
com Maurício do Valle, Odete Lara, Lorival Pariz, Antonio Piranga
Brasil, 1969 – 95 min
Sex. [14] 21:30 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Ter. [25] 22:00 | Luís de Pina 
Mais conhecida como ANTONIO DAS MORTES, esta primeira longa-metragem a cores de Glauber Rocha amplia o universo de DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL, com uma mise-en-scène que tem alguns pontos em comum com o western spaghetti. O filme aproxima certos mitos populares brasileiros e a alegoria política. O protagonista, Antonio das Mortes, assassino por contrato a serviço dos poderosos, já surgira em DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL. Mas desta feita acaba por se voltar contra eles e massacra os representantes da ordem estabelecida. “ANTONIO DAS MORTES é o meu ALEXANDRE NEVSKI, é o ALEXANDRE NEVSKI do sertão, a ópera global inspirada pelas lições de Eisenstein” (Glauber Rocha).

DER LEONE HAVE SEPT CABEZAS
de Glauber Rocha
com Jean-Pierre Léaud, Gabriele Tinti, Rada Rassimov
Itália, França, 1970 – 120 min / legendado eletronicamente em português
Seg. [17] 21:30 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Qua. [19] 22:00 | Luís de Pina
Coprodução ítalo-francesa fi lmada no Congo Brazzaville, a atual República Popular do Congo, DER LEONE HAVE SEPT CABEZAS foi o primeiro dos quatro filmes que Glauber Rocha realizou durante os seus sete anos de exílio. O título poliglota (com um notável erro de inglês) entende sublinhar a vastidão do conflito colonial. A dramaturgia é extremamente rarefeita e didática, com personagens deliberadamente esquemáticos: um casal loiro que representa o imperialismo americano, um guerrilheiro latino-americano, um português, um padre europeu, africanos cúmplices e africanos revolucionários.

CABEZAS CORTADAS
de Glauber Rocha
com Francisco Rabal, Pierre Clémenti, Rosa Maria Penna
Espanha, 1970 – 94 min / legendado eletronicamente em português
Ter. [18] 21:30 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Qui. [20] 19:30 | Luís de Pina
Rodado na Catalunha, CABEZAS CORTADAS “retoma e tritura o material ficcional de TERRA EM TRANSE, porém de modo muito mais violento do que ANTONIO DAS MORTES em relação a DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL”, observou Sylvie Pierre no seu livro sobre Glauber Rocha, acrescentando: “A terra continua em transe, mas agora o apocalipse está a acontecer”. Num país imaginário chamado Eldorado (como filme de 1967), um tirano incarnado por Francisco Rabal, vive o delírio do poder, num fi lme deliberadamente caótico e irracional: “Talvez seja a história de um louco que pensa que é ditador”, declarou o realizador em 1979.


HISTÓRIA DO BRASIL
de Glauber Rocha, Marcos Medeiros
Cuba, Itália, 1972-73 – 166 min
Sex. [21] 21:30 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Seg. [24] 22:00 | Luís de Pina
Ambicioso work in progress correalizado com um ex-líder estudantil brasileiro exilado, HISTÓRIA DO BRASIL tem uma narração em off permanente, em alta velocidade, que retraça e comenta a História do Brasil desde o desembarque de Pedro Álvares Cabral em 1500 até o regime militar instalado em 1964. Em contraponto, as imagens, vindas das fontes mais diversas (filmes de ficção, atualidades cinematográficas), não ilustram de modo direto a catarata de palavras do comentário.

CLARO
de Glauber Rocha
com Juliet Berto, Carmelo Bene, Luis Maria Olmedo Itália, 1975 – 106 min
legendado eletronicamente em português
Seg. [24] 19:00 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Qua. [26] 22:00 | Luís de Pina
Inteiramente rodado em Roma, o último filme realizado por Glauber Rocha antes do seu regresso ao Brasil é o menos visto entre todos aqueles que fez e suscitou indiferença ao ser apresentado à época. Entre os personagens: o Papa, dois irmãos gémeos, um soldado americano vindo do Vietname, um travesti, incarnado por Carmelo Bene. Sylvie Pierre, amiga e admiradora incondicional do cineasta, comenta: “CLARO não é claro, sobretudo se quisermos perceber o que Glauber Rocha ‘quer dizer’. Creio que o filme não tem chave, tem apenas grandes portas arrombadas e fechadas. Alucinação ou lucidez? Em todo caso, uma nova forma do conflito entre poesia e política que já surgira em TERRA EM TRANSE”.

A IDADE DA TERRA
de Glauber Rocha
com Tarcísio Meira, Jece Valadão, Ana Maria Magalhães, Maurício do Valle
Brasil, 1980 – 134 min
Qua. [26] 19:00 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Qui. [27] 22:00 | Luís de Pina
Último filme de Glauber Rocha, pessimamente recebido no Festival de Veneza, onde foi apresentado numa versão de 160 minutos. Obra sem nenhuma forma de narrativa, absolutamente alegórica e enigmática, que obriga cada espectador a trazer a sua própria chave para nela penetrar. Filmado em diversas regiões do Brasil, escolhidas pelo seu caráter simbólico, o fi lme mostra fi guras como um Anticristo, quatro Cristos (um negro, um índio, um militar e um guerrilheiro), uma rainha das amazonas, um diabo. “Trabalho com a surpresa, o exorcismo das emoções, a catarse do ator. Como se fosse um psicanalista”, declarou o cineasta a propósito deste filme.

PÁTIO
AMAZONAS AMAZONAS
MARANHÃO 66
DI CAVALCANTI
de Glauber Rocha
Brasil, 1959, 1966, 1966, 1976 – 12, 15, 11 e 16 min
duração total da sessão: 54 min
Qui. [27] 19:00 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Sex. [28] 22:00 | Luís de Pina 
Este programa reúne as curtas-metragens realizadas por Glauber Rocha ao longo de dezoito anos (duas outras ficaram incompletas e de JORJAMADO NO CINEMA perderam-se os negativos originais e não existe hoje cópia projetável). PÁTIO é um fi lme surpreendente vindo do seu realizador, uma obra purista e abstrata, situada num terraço suspenso entre o céu e o mar, onde um homem e uma mulher se aproximam e se afastam um do outro. AMAZONAS AMAZONAS, o seu primeiro filme a cor, foi uma encomenda sobre as “belezas” e as “riquezas” da região: mas “descobri que não havia a Amazónia lendária e mágica”. MARANHÃO 66 foi outra encomenda, feita por um político de província chamado José Sarney (que o acaso transformaria em Presidente da República nos anos oitenta), que pediu que Glauber Rocha documentasse a cerimónia da sua posse como governador. O realizador alternou imagens da cerimónia com outras em que se vê miséria da população. DI CAVALCANTI marcou o regresso do realizador ao Brasil, ao termo do seu exílio. Ao fi lmar o velório de um pintor, Glauber Rocha também fez um brilhante epitáfio sobre tudo o que desaparecera no Brasil durante a sua ausência.



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