quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Poemas Mecânicos - Hoje é Natal

Já comecei a receber mails e mensagens no telemóvel de Boas Festas. Ainda faltam quinze dias para o Natal... mas afinal não era esta quadra que devia de ser todos os dias? Isso fez-me lembrar um poema que escrevi intitulado "Hoje é Natal". Não era nada Natal, nesse dia, pois foi escrito no mês de Maio do já longínquo ano de 1996. O poema é mauzinho, mas eu gosto muito dele... Como aquela máxima que diz que os filhos, mesmo feios, parecem sempre bonitos aos pais. Este é um desses casos. Não lhe mudo uma vírgula e continuo a concordar com tudo o que escrevi na altura...


HOJE É NATAL

Hoje é Natal,
mas não tem importância;
porque é normal
que os putos morram sem ter infância.
Hoje é Natal
e as crianças estão,
de armas na mão,
sem saber o que é, afinal,
o mal ou o bem;
trazem guerra no coração;
fazem um hábito da solidão,
do desespero, um irmão,
da violência, uma mãe.
Hoje há amor
porque é Natal.
Não há fome nem dor,
credo, etnia ou cor
que a morte abale.
As mulheres paradas
à espera do autocarro
não são assassinadas,
partidas, quebradas,
como se fossem de barro.
Os pobres não pedem,
com barrigas de vento,
uns trocos p’ra pão.
As potências não cedem
ao desarmamento
com armas na mão.
Não!!!
Todos comem à farta,
durante o jantar,
bacalhau com batata
sem radiação nuclear.
Tudo é paz, harmonia
e convívio familiar,
menos p’rá maioria
que, de barriga vazia,
ficou sem cear.
“Que penas sermos tão poucos
e não podermos fazer nada”,
dizem uns senhores roucos
de gravata apertada,
com fatinhos “muita lôcos”
e a pança aconchegada.
Entre eles e o curral
vai uma enorme distância.
O que é pena é ser normal,
porque hoje é Natal
e não tem importância.

Edgarbury K. Zeytonov (a.k.a. Filipe Lopes)
Maio de 1996

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