terça-feira, 27 de janeiro de 2009

O Estranho Caso de Benjamin Button


Passaram uns quinze anos, mais ou menos, desde que ouvi falar pela primeira vez na adaptação para cinema do conto de F. Scott Fitzgerald em que o protagonista nasce velho e rejuvenesce com o passar do tempo. Li, por essa altura, numa daquelas secções de curiosidades das revistas cor-de-rosa com meia dúzia de linhas, que são mais de entretenimento do que outra coisa, que a realização dessa história estaria a cargo de… Steven Spielberg e lembro-me de ter pensado que a história estaria bem entregue. Spielberg tinha acabado de ganhar o Óscar com “A Lista de Schindler” e especulava-se muito sobre o que iria ele fazer a seguir. Falava-se, até, de Tom Cruise para protagonista. Com o passar do tempo percebi que o futuro do realizador não iria passar por aqui, até porque se envolveu em três realizações de seguida: a sequela de “Jurassic Park”, “O Mundo Perdido” (1997), de “Amistad” (1997) e de “O Resgate do Soldado Ryan” (1998), bem como com a preparação, em conjunto com Stanley Kubrick, de “A.I. – Inteligência Artificial” (2001). Às vezes ouvia falar de novos nomes para encabeçar o projecto, como Spike Jonze e Ron Howard (que terá, inclusivamente, convidado John Travolta para o papel principal) mas foi David Fincher, o menino-prodígio de “Se7en” e “Clube de Combate” quem acabou por levar o barco a bom porto. E em boa hora o fez, porque esta história nas mãos de Howard seria, com alguma certeza, além de bem diferente, muito próxima do descalabro… digo eu, claro, que não morro de amores pelo realizador de “Uma Mente Brilhante” (2001) e do actual “Frost/Nixon” que estreou há uns dias (e que eu ainda não vi). De Fincher, já eu sabia que era um cineasta de corpo inteiro, que sabe filmar, que tem uma capacidade invulgar para criar atmosferas e que consegue, com mestria, conduzir o espectador para onde ele quer. É um dos realizadores maiores da sua geração, como se comprova com um simples olhar pela sua filmografia: duas obras-primas (os já mencionados “Se7en” e “Clube de Combate”) e quatro filmes muito acima da média (“Alien 3 – A Desforra”, “O Jogo”, “Sala de Pânico” e “Zodiac”) compõem uma galeria de obras com uma qualidade constante que está ao alcance de poucos. Mesmo assim, não tinha a certeza absoluta se Fincher seria capaz de filmar esta história no tom certo, sem cair no facilitismo da lágrima fácil ou descarrilar para a histrionia. Além desta questão, já difícil, levantava-se ainda uma outra: até que ponto seria Fincher capaz de dar credibilidade à nada plausível história de um homem que nasce velho e vai rejuvenescendo pela vida fora? Por isso (e porque não perco nenhum filme de David Fincher, devo confessar), fui ver. O cinema tinha pipocas (maldição!), que se foram calando (felizmente!) com o desenrolar da narrativa. Bom sinal! A sala ficou rendida às personagens e aos acontecimentos. Ao relógio do tempo andar para trás, à tristeza das guerras e da perda. À satisfação de um nascer-do-sol redentor. A uma criança-velha de olhos sorridentes que vê o mundo da sua própria perspectiva, que é diferente da de todos os outros. Um ser incomum, em todos os aspectos. Muito próximo de nós, no coração, e que encara a vida como o devíamos todos fazer: com amor e alegria, sabendo que o seu fim é algo natural e impossível de evitar, mesmo que vivamos ao contrário dos outros.
A verdade é que Fincher não se contentou apenas em tornar credível o inconcebível, como o fez na nota certa, sem desafinar nem permitir desafinações à equipa, tal qual um maestro que dirige uma orquestra em perfeita harmonia. Isso vê-se nos actores (portentosas interpretações, sobretudo de Brad Pitt, mas também de Cate Blanchett), na fotografia (sempre com a tonalidade certa) e no argumento (nunca se desorienta) que, somados a uma realização irrepreensível, elevam “O Estranho de Benjamin Button” ao estatuto de obra-prima, a terceira de Fincher em sete filmes e a sua consagração como um dos actuais herdeiros do cinema clássico. David Fincher era já um realizador de corpo inteiro. Agora, é-o de corpo e alma! Porque alma é coisa que não falta aqui… para ver, rever e sentir vezes sem conta.

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