terça-feira, 1 de setembro de 2009

Uma Pequena Viagem pelo Cinema Fantástico Português

I'll See You in My Dreams

Escrevi este texto para a Revista Umbigo. Saiu já não sei há quantos meses, mas incompleto, porque não havia espaço que chegasse e tive que cortar caracteres. Ficou quase em metade do texto que aqui publico e com muito menos interesse (digo eu, que se calhar acho que este texto interessa a alguém).

Tudo começou há mais de duas décadas… É de uma nostalgia enternecedora, começarmos, a partir de dada altura da nossa vida, a fazer as contas em décadas em relação a episódios marcantes do passado. É algo que nos faz sentir a existência como algo de efémero e rápido, mas que aprendemos a ver com a tranquilidade plácida adquirida através da multiplicidade de experiências por que fomos passando. Bem, mas dizia eu, antes que me perca definitivamente no raciocínio, que “tudo começou há mais de duas décadas…” em relação ao meu gosto pela ficção cuja lógica, toda ela, ou em parte, foge à explicação da realidade tal como a conhecemos, que é como quem diz, pelo género fantástico. Foram os livros de ficção científica (do Ray Bradbury, do Isaac Asimov, do Robert Heinlein e de uma série de outros) e de terror (onde pontificavam os nomes intemporais de Edgar Allan Poe e H. P. Lovecraft), em simultâneo com o primeiro contacto com a Banda-Desenhada americana da Marvel e da D.C. e com alguma da franco-belga (a japonesa apareceu depois no meu percurso de procura de conhecimento), as causas do início dessa paixão. Se há alturas em que parece que todas as experiências nos surgem em catadupa, a tenra adolescência é, por excelência, uma das mais importantes. Foi por esta época que comecei, igualmente, a gostar de filmes. E foi por mais este particular que a minha vida mudou para sempre!
Lembro-me de discutir com amigos, em tertúlias de ocasião, que o Cinema Fantástico era, por vezes, assim como a literatura desta natureza, considerado um parente pobre, muitas vezes ostracizado, esquecido ou sem o reconhecimento devido, se comparado com os outros géneros. Mas se isso é assim em relação ao Cinema Fantástico no sentido lato, o que dizer se restringirmos o nosso universo ao Cinema Português? Existirá um género fantástico na história das nossas imagens em movimento? Foi essa pergunta, à laia de mote, bem como o convite subsequente, que provocaram o nascimento deste texto. Gostaria, no entanto e antes de prosseguir, de dizer-vos que não é, de todo, minha intenção fazer com que este artigo seja uma referência obrigatória em tempos vindouros; não é uma monografia, nem é, sequer, uma análise exaustiva sobre o tema. Chamemos-lhe antes uma viagem… Uma singela viagem pelo fantástico no cinema português.
Em 1926, no mesmo ano de “Fausto”, de F.W. Murnau, e um ano antes de “Metropolis”, de Fritz Lang, já Robert Wiene tinha dado vida ao Dr. Caligari (1920) e (o já referido) Murnau, a “Nosferatu” (1922), sem contar com todo o trabalho ainda anterior de Méliès, surgiu aquele que foi, provavelmente, o primeiro filme fantástico português: “O Fauno das Montanhas”, com argumento, fotografia e realização de Manuel Luís Vieira. O filme decorre na Madeira e centra-se na figura da filha de um naturalista inglês em expedição para conhecimento das espécies de aves existentes na ilha. A jovem tem uma imaginação fértil ao ponto de acreditar que um túnel se estende no interior de uma montanha até à entrada do Inferno e que existe um fauno a tentar assassinar o seu pai. Que eu saiba, não há registos de ter sobrevivido até aos dias de hoje uma cópia completa deste primeiro filme português, da época do mudo, com um teor fantástico. O que é pena, diga-se…
Três anos depois, em 1929, ano de “Frau im Mond/ A Mulher na Lua”, de Fritz Lang e de “Un Chien Andalou”, de Luis Buñuel, surge em Portugal a curta-metragem “A Dança dos Paroxismos”, de Jorge Brum do Canto, que adapta uma lenda nórdica e que junta um cavaleiro em busca do Santo Graal, elfos, paixões e uma maldição mortal, do qual a Cinemateca fez recentemente um excelente restauro.
Seria, no entanto, necessário esperar quase 20 anos até surgir na nossa filmografia novo registo do género… ou registos, melhor dizendo, uma vez que surgem dois títulos de enfiada no mesmo ano de 1946 (o ano em que Frank Capra realizou o sublime “It’s a Wonderful Life”/“Do Céu Caiu Uma Estrela”). São eles “O Louco”, de Victor Manuel e “Três Dias Sem Deus”, de Bárbara Virgínia. O primeiro aborda uma temática bastante popular no universo fantástico, que é a do médico que tenta, com a ajuda da ciência, restituir a vida aos mortos, neste caso, apenas enquanto o corpo se encontra em bom estado de conservação; o segundo trata da história de uma nova professora numa aldeia da serra, da qual o médico e o padre se ausentam por três dias (os tais três dias sem Deus, do título), dando azo a que aconteçam coisas insólitas e misteriosas relacionadas com um homem que o povo crê ter um pacto com o Diabo.
Até aparecer mais um título digno de registo, volveram-se mais oito anos. Falo de “O Cerro dos Enforcados” (1954), de Fernando Garcia. A narrativa decorre no século XV e centra-se em D. Afonso, nobre velho e ciumento, casado com uma jovem e linda mulher que desperta a cobiça dos outros homens da terra, entre os quais D. Rui, um outro aristocrata que será esfaqueado pelo marido despeitado. No entanto, o cadáver do nobre assassinado desaparece misteriosamente. Este filme marca a estreia, ainda que num pequeno papel, do actor Armando Cortez no Cinema.
Dois anos depois surge “Vidas Sem Rumo” (1956), de Manuel Guimarães, uma interessante viagem ao mundo da pobreza e da fantasia de quem pouco mais tem que o poder de sonhar e o choro de uma misteriosa criança que vai mudar as suas vidas. Neste ano estreava, além-fronteiras, “Invasion of the Body Snatchers” (“A Terra Em Perigo”), de Don Siegel.
“O Elixir do Diabo/Forbidden Fruit” (1963) é uma co-produção luso-britânica realizada por Thor Brooks e centrada na figura de um diabo de segunda classe que apenas subirá de categoria se conseguir corromper a alma de um pacato cidadão. Ao ver que não está a ter êxito, dá um elixir à esposa do homem, que a tornará irresistível ao primeiro homem que entrar por uma determinada porta. 1963 é o ano de “Os Pássaros”, de Alfred Hitchcock.
António de Macedo é, por direito próprio, o português com a fama (e o proveito, diga-se!) de mais ter acarinhado, como realizador, o género fantástico no nosso país. Por sua causa podemos acrescentar mais cinco filmes à nossa lista, cujas histórias vão de uma mão humana enterrada num jardim – em “O Rico, O Camelo e O Reino ou O Princípio da Sabedoria” (1975) – até um casarão antigo onde acontecem coisas estranhas – “Chá Forte com Limão” (1993) –, passando por um mundo mágico que existe por detrás de uma entrada secreta num castelo medieval – “Os Abismos da Meia-Noite ou as Fontes Mágicas de Gerénia” (1983) –, pela tentativa de impedir uma guerra nuclear, com viagens no tempo à mistura – “Os Emissários de Khalôm” (1987) – ou pelas histórias medievais com maldições, bruxas e fantasmas – “A Maldição de Marialva / La Maldición de Marialva” (1990), esta uma co-produção luso-espanhola para a TVE e para a RTP.
“Veredas” (1977), “Silvestre” (1981) e “Le Bassin de J.W.” (1997), são as incursões de João César Monteiro por territórios fantásticos, pelas lendas e pelas personagens da mitologia popular, por peregrinos e cavaleiros, por Deus, pelo Diabo e por… John Wayne. Sempre com o olhar sarcástico que caracterizou toda a sua obra.
“A Princesinha das Rosas” (1979), de Noémia Delgado, traz-nos a história de uma jovem que foi fruto do amor de um pescador e de uma sereia; “Do Outro Lado do Espelho «Atlântida»” (1985), de Daniel Del-Negro é uma viagem circular pela memória e pela imaginação; “Iratan e Iracema – Os Meninos Mais Malcriados do Mundo…” (1987), de Paulo-Guilherme fala-nos de dois irmãos adolescentes que manipulam a realidade quando esta os aborrece (o que acontece muitas vezes); “Transparências em Prata” (1990), de João Brehm é como que uma demanda pelo limiar da vida e da morte, “O Fio do Horizonte” (1993), de Fernando Lopes, aborda a vida de um homem de meia-idade que trabalha numa morgue e vê um dia chegar corpo recentemente baleado que parece ser o seu, quando era jovem.
Lisboa 94 – Capital Europeia da Cultura encomendou e Edgar Pêra realizou “Manual de Evasão – LX 94”, uma obra que joga com o tempo, a filosofia e mundos paralelos. Estranho quanto baste, bem ao jeito do cineasta português. Uma das raras incursões do decano realizador Manoel de Oliveira neste território do fantástico foi feita com “O Convento” (1995), no qual junta John Malkovich e Catherine Deneuve na procura de provas que sustentem a tese de que Shakespeare tinha ascendência espanhola, o que acaba por os levar a um velho convento e encontrar a personificação do Diabo. “Mortinho Por Chegar a Casa” (1996), uma co-produção luso-holandesa realizada por George Sluizer e Carlos da Silva, oferece-nos um Diogo Infante transformado em alma penada que comunica com a irmã através dos sonhos dela. Margarida Gil realiza, em 1999, “O Anjo da Guarda”, que é a história de uma mulher à procura de uma carta que o pai lhe escreveu antes de morrer, tendo por protector o tal anjo da guarda que dá o título ao filme. No reino do sobrenatural entrou igualmente Manuel Mozos, no mesmo ano, com “…Quando Troveja”, no qual o protagonista vai ser salvo da autodestruição, após ter rompido um relacionamento amoroso, por duas criaturas encantadas do bosque. Um cenário pós-apocalíptico no qual a humanidade caminha para o abismo e as mulheres estão proibidas de ter filhos, é a descrição de “Aparelho Voador a Baixa Altitude” (2001), de Solveig Nordlund, uma das raras incursões do cinema português pelos meandros da ficção científica. “I’ll See You in My Dreams” (2003), de Miguel Angél Vivas e produzida por Filipe Melo, é (além de "A Dança dos paroxismos") a única curta-metragem a que vou fazer referência, já que é o primeiro filme de zombies português, centrado numa pequena localidade em que as pessoas estão inexplicavelmente rodeadas por mortos-vivos. “Manô” (2005), de George Felner, tem a interessante premissa de colocar uma personagem a preto e branco dos filmes cómicos mudos na vida “real” dos nossos dias, o que acontece após a destruição, pelo fogo, de um antigo cinema. “Coisa Ruim” (2006), de Tiago Guedes e Frederico Serra representa o novo fôlego do cinema fantástico em Portugal, nomeadamente na área do suspense/terror. O ambiente é bem conseguido e o filme, embora um pouco lento, funciona.
Pela quantidade de títulos existente em mais de 110 anos de Cinema Português, não podemos dizer que a produção de filmes de teor fantástico seja particularmente prolífica no nosso país, no entanto a lista de obras a que fiz referência e que, repito, não tem pretensões a ser uma lista completíssima, também não é tão pequena quanto se poderia supor.

4 comentários:

v disse...

Sim, a lista não é pequena. E eu desconheço a maioria. E invejo-te. Por pensar que já tiveste o prazer de conhecer todos esses filmes. Ainda que alguns possam ser de qualidade duvidosa. Ou não. Diz-me tu. :)

Filipe Lopes disse...

Em relação a alguns, não há dúvida nenhuma no que diz respeito à sua (falta de) qualidade... lol

Anônimo disse...

adoro te lopes :P ahahaha kero la saber dos filmes :P... ja estou q nem posso...sao tantos na minha mente

Anônimo disse...

ah!!!! qero ver o mrtyrs pf :)