quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Textos Mecânicos - O Túnel e a Luz

O Túnel e a Luz

O túnel
é escuro.
Aterradoramente
escuro.
Consome-me
a cada passo que dou,
mas eu
continuo a avançar
masoquistamente,
incessantemente.
Nada se vê,
nada se ouve.
Sente-se somente
um frio cortante,
húmido
e seco.
As sensações
confundem-se.
Eu avanço
persistentemente
por entre
as trevas.
Avisto uma luz,
ténue,
de brilho amedrontado,
ao longe,
inacessível.
Aperto o passo...
corro pelo nada;
os meus braços
ensanguentados
pelas paredes rugosas,
não os sinto,
como se não os tivesse.
A luz
continua longe,
muito longe,
dando a triste impressão
de que quanto
mais avanço,
mais ela se afasta.
Tropeço,
caio;
a pele queimada
pela fricção
com o solo...
Levanto-me,
procuro a causa
da minha queda.
Um cheiro nauseabundo
paira no ar.
Apalpo qualquer coisa...
fria,
comprida,
flácida.
Um corpo!
Um cadáver humano
em estado
de letárgica
decomposição.
O cheiro...
o cheiro...!
Invade-me os sentidos,
estonteia-me!
A luz,
ao fundo.
A luz,
as trevas,
o cheiro,
o corpo!
Corro,
fujo.
Persigo a luz,
cada vez mais ténue,
cada vez mais distante.
Corro,
corro...
corro com uma ânsia
cega
de ter esperança
em alguma coisa.
O cheiro volta;
eu tropeço novamente
e novamente caio.
O cheiro...
um odor quase insuportável
a putrefacção.
Um corpo...
outro corpo...!
Não lhe toco.
Sinto-o somente,
perto,
demasiadamente perto.
Outra vez
me levanto
e começo correr,
para outra vez
tropeçar
e cair
e queimar a pele
na fricção com o solo.
E outra vez,
e mais outra,
e outras mais.
E de todas
as vezes
me levanto
e continuo a caminhada
em direcção
à luz.
À luz...
à luz...!
O cheiro...
o sangue do meu corpo...
as trevas...
os corpos...
dezenas,
centenas de corpos!
O cheiro...
a luz...
Náuseas...
sinto náuseas!
O começo da loucura
racional,
do desespero,
da falta de esperança.
Não corro mais...
não consigo correr mais...!
Ajoelho-me
e choro.
A luz,
ao longe.
A luz...!
Ergo-me,
e caminho
e cambaleio
e caio mais uma vez.
Não tenho forças;
as pernas não reagem.
O cheiro...
fétido...
o cheiro...
o cheiro...!
Vomito
num sórdido
grito
de desespero interior.
Arrasto-me
sobre a massa
peçonhenta
que se amontoa
no chão,
sempre, sempre
em direcção
à luz.
Ouço uma respiração ofegante,
mais ofegante
que a minha.
Alguém vivo!
deitado,
presumo;
que também
perseguiu a luz,
penso.
Digo
qualquer coisa,
num murmúrio
inconsequente.
Um último suspiro...
fundo...
prolongado...!
O último...!
Mais um que não conseguiu;
mais um corpo
que se irá decompor
para amplificar
o cheio.
O cheiro...!
Vomito novamente.
A luz
está perto;
nunca ninguém
esteve tão perto.
Quase
lhe consigo tocar.
Um último esforço...
centenas de homens...
centenas de corpos
e nunca ninguém
esteve tão perto...
e eu quase toco
na luz...
na luz...!
Qual luz?!
Apagou-se...
não existe!...
Terá, alguma vez,
existido?
A diluição...
da esperança,
do sonho,
de uma vida inteira,
por nada...
nada...
nada...!
Exausto,
deixo-me cair.
Desisto...
o chão é frio,
gélido...
carinhoso
e reconfortante.
Eu espero...
espero...
espero...
sem pressa,
sem desespero,
serenamente.
Afinal
tenho todo o tempo
da eternidade!
Ou toda a eternidade
de um tempo...


Edgarbury K. Zeytonov (a.k.a. Filipe Lopes)

23/04/1996
Tasco do Ernesto

Um comentário:

Anônimo disse...

Não me lembrava... mas lí e lembrei-me. E como quase todos os outros está... fantástico!

Boa Miúdo!

Rita