terça-feira, 27 de novembro de 2007

Textos Mecânicos - Incómodo Silêncio

Falo-te do tempo, porque não tenho coragem de te falar do que quero… do que sinto. Hoje está sol. Parece que é um dia de Verão. Ontem esteve frio, sobretudo à noite. Ainda é Inverno. É tempo dele! Mas hoje, hoje está um dia magnífico. A tua resposta ao assunto idiota do tempo é enigmaticamente inexistente. Mudo de conversa. Parece-me que não queres falar disto. Outra coisa. Deixa cá ver… Aquela criancinha tem umas meias amarelas. Sei que gostas de meias amarelas e saias verde-alface, como a dela. Tem um sorriso alegre e inocente escancarado no rosto, como o que tu costumas ter. Mas não tens. Não agora. Acho que tens, isso sim, um ar inexpressivo. Não sei bem. Ainda não consegui perceber que expressão (ou falta dela) é a tua e o que queres dizer com ela. Mas não desarmo. Portugal está em crise! Aliás, o mundo todo está em crise. Em crise económica e de valores morais. Este governo é uma merda! Ou melhor, todos os governos do mundo inteiro são uma grandessíssima merda! Nada. Nem a isto reages. Desato a insultar toda a gente. Todos os povos da Terra, as pessoas que passam na rua, à espera de uma reacção tua, que nunca acontece. Mudo de estratégia. Já vi que não respondes ao maldizer. Gosto de passarinhos. E de gatos. E de cães. E de animaizinhos, de um modo geral. Gosto de olhar para eles e de lhes fazer festas, quando eles deixam. Não gosto de moscas, nem de melgas, nem de mosquitos. São animais parvos. Nem são animais. São insectos. São insectos parvos. Mas gosto de aranhas, embora tenha medo delas. Tal como dos escorpiões. Mas cá não há escorpiões, portanto não tenho o enorme problema de me assustar a cada esquina. Nada dizes… Pronto. Ou não gostas de bichos, ou não gostas de falar sobre eles. E livros? Sabias que continuo a chorar com “O Principezinho”? E adoro banda-desenhada. Banda-desenhada e filmes. São tudo coisas que me fazem sentir emoções… Que estupidez! Sentir emoções é uma redundância, não é? Mas que merda! Por que é que não dizes nada? Ou, simplesmente, sorris? Um sorriso teu bastaria, como resposta. O teu silêncio só me condiciona ainda mais as palavras e os pensamentos. Esta questão exige uma manobra radical. Um momento de choque, que abane a consistência da tua inacção. Eu não queria dizer isto… mas… mas… ahn!... acho que gosto de ti. Acho que gosto mesmo muito de ti. Calo-me por um bocado. A ISTO vais ter que reagir! Eheheh! Já sinto uma tremedeira na espinha que preconiza uma vitória insofismável. Pois é! Não vais conseguir conter-te sem reagires a isto. Mas conténs-te. E eu desespero. Desespero por um gesto que não fazes, por uma palavra que não dizes, por um qualquer sinal, que nunca emites. Imagino que te ouço murmurar que me amas. Da tua boca apenas sai o grito insuportável do silêncio. À procura de qualquer indício de resposta, olho-te directamente nos olhos. Olhos, que apenas imagino estarem à minha frente. Não estão. Não estás. E és tão bonita, sentada nessa cadeira vazia deste café secular...!



Edgarbury K. Zeytonov (a.k.a. Filipe Lopes)
Café “A Brasileira” – Chiado
13/03/2006

4 comentários:

NC disse...

Belo texto !!!

Conseguiste criar uma curiosidade crescente ( epá! tantas palavras comoçadas por c ) em saber qual foi o final da história.

E que final !!

Espero que tenhas conseguido obter uma reacção de quem de direito.

Grande abraço.

nati disse...

lindo :õ)

Anônimo disse...

é lindo.

tixi

Anônimo disse...

Lembrou-me este poema... :)

Profetas falsos vieram em teu nome
anjos errados disseram que tu eras
Um poema frustrado
Na angústia sem razão das Primaveras

Porém eu sei que tu és a verdade
E és o caminho tranparente e puro
Embora eu não te encontre e no obscuro
Mundo das sombras morra de saudade.

Sophia de Mello Breyner Andresen, Mar Novo